Uma mudança importante no Direito das Famílias entrou em vigor no fim de outubro: a Lei nº 15.240/2025 passou a reconhecer expressamente o abandono afetivo de crianças e adolescentes como um ato ilícito civil. Na prática, isso significa que a falta de cuidado, de presença e de atenção dos pais pode gerar responsabilização e até mesmo indenização.
A nova norma foi publicada no Diário Oficial da União e altera pontos essenciais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O legislador deixou claro que o dever parental não se restringe ao sustento ou à guarda formal. A convivência, o apoio emocional e o acompanhamento ativo da formação dos filhos passam a ter peso jurídico semelhante.
O que a lei entende como “assistência afetiva”
Um dos pontos mais relevantes é que a lei detalha, de forma objetiva, o que caracteriza essa assistência. O conceito não fica mais no campo subjetivo, algo que sempre gerou debates.
Entre as condutas que compõem a assistência afetiva estão:
- manter contato e visitação regulares;
- participar de decisões importantes na vida educacional, profissional e cultural da criança;
- oferecer apoio em momentos de dificuldade;
- e estar fisicamente presente quando possível e quando a criança solicitar.
A ideia central é evitar interpretações baseadas em sentimentos ou expectativas abstratas. O foco está em ações concretas, ou na ausência delas.
Responsabilização pela omissão
Com a lei em vigor, quando houver comprovação de omissão dos pais ou responsáveis, poderá haver condenação por danos morais, além de outras medidas cabíveis. Em situações mais graves, envolvendo maus-tratos, negligência severa, opressão ou abuso sexual, a autoridade judicial terá respaldo para afastar o agressor da residência da família.
Essa mudança, inclusive, consolida entendimentos que o Judiciário já vinha adotando há mais de uma década. Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um caso considerado emblemático e reconheceu, pela primeira vez, a possibilidade de reparação civil por abandono afetivo. Agora, esse posicionamento passa a ter previsão legal expressa.
Por que essa lei é considerada um avanço
Especialistas em Direito das Famílias comemoraram a sanção. Para muitos, a legislação preenche uma lacuna histórica ao reforçar que a dimensão emocional da relação entre pais e filhos não é um “extra”, mas parte essencial do desenvolvimento saudável de uma pessoa.
A atualização também traz maturidade ao ECA ao ampliar a compreensão sobre o que significa cuidar. Não basta garantir comida, escola e teto, é preciso oferecer orientação, acolhimento e presença.
Outro aspecto destacado por juristas é que a norma fortalece o princípio da afetividade, já reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como um dos pilares das relações familiares no Brasil.
Uma lei que equilibra sensibilidade e técnica
Apesar de tratar de um tema delicado, a legislação foi construída com forte base técnica. Ela descreve condutas verificáveis, evita subjetividades e deixa claro que não se trata de “obrigar alguém a amar”, mas de responsabilizar quem se omite em deveres mínimos e fundamentais.
A expectativa é que a nova lei incentive a presença mais ativa dos pais, inclusive após separações e divórcios, e que fortaleça a rede de proteção às crianças e adolescentes em todo o país.
Em um momento em que se debate amplamente o papel da família na formação emocional das próximas gerações, a aprovação da Lei 15.240/2025 chega, como bem observaram alguns especialistas, “em bom tempo e em bom termo”.
Jordanna Elias – Advogada




